imagem de hispanico

terça-feira, 28 de novembro de 2006

a sacerdotisa



por tempos

que não determinei

a vi envolta

na fumaça

que se produzia

na cozinha.

o ritual dos afazeres

era embalado pelo seu canto

por cima do balcão havia sempre folhas estranhas

que não podia eu tocar

os caldeirões fumegavam,

a cor das brasas me atraiam o olhar,

a cor negra de sua pele também.

alguns a chamavam sacerdotisa. eram seus, os tambores das noites.

mas eu sentia que suas mãos podiam salvar e podiam matar.

gostava do barulho, das brasas, de ficar na cozinha

de ouvir o canto baixinho e repetido:

"sou de nanã, êaaa,êaaa êaoooo, sou de nanã!..."

guardei os traços do seu rosto como uma imagem presa a uma parede.

guardei o som que mais tarde

ouviria nos cultos aos orixás...

em terreiros de outras sacerdotisas.

mas sei:

nanã andou envolta na fumaça daquela cozinha...

como a proteger.me do destino.

foto de Alba Luna

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

dias de cárcere



naqueles dias

os conflitos eram intensos.

homens com pés castigados

famintos, de muitas fomes.

mulheres desesperadas

rogavam ao sol,

rogavam na igreja

mas os homens de poder

arrastavam os homens de suas mulheres

valas, celas, buracos, estradas sem retornos.

rogavam as mulheres à lua

esquecidas das panelas,

esquecidas de dar o peito

as crianças sedentas viravam espantalhos.

naqueles dias de cárcere

de lágrimas que queimavam as faces,

de tão choradas e incontroláveis

eu fugia a esconder.me dos homens de roupas verdes,

de paus em punho: incendiários de vidas.

assisti a primeira derrota na contínua luta

do sempre contra o jamais.

foto lara pires

domingo, 26 de novembro de 2006

os trilhos



usei as velas
companheiras da avidez da leitura
que me consumia os dias de vida
queria encontrar os legados
me soube pertencente
de um lugar
de um povo
de uma terra
aonde mataria fomes e sedes

já pensava
tão tenra idade

assisti as travessias muita gente...
muita gente
a atravessar
trilhos urbanos
cheirando óleo


um cheiro que não se esquece.
odor que cedo assimilei.

foto mark freedom

sábado, 25 de novembro de 2006

vi fios tecidos



habilmente tecia

enquanto remungava cumprimentos

as mãos impressionava.me

todos os dias

às horas da tarde...

uma curiosidade aguçada

queria eu entender o mundo

interior das mãos que teciam a beira da calçada.

todo domínio.

ouvia de longe rezas que não compreendiam

o movimento das mãos, tão iguais...

o sol era morno àquela hora da tarde.

pensei na desordem! suas rezas não a protegeram.

a arrancaram da cadeira porque lhe tremiam os nervos.

e seus fios se perderam no vento que soprou.

foto de Carlos C.

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

os vidros da infância



igualdade

medida do que herdei

o sagrado ritual

magia

através das janelas

relembranças

diversidades de minhas expressões.

então pensava...

partir de nós para chegar a nós próprios.

o que via no vidro da infância?

aprendia os sentidos, os sentidos pelos sentidos.

somei-os mas, assegurados

senão muito duvidoso e incerto.

vi. nos vidros das janelas.

inventividade dos antepassados.

foto maktub

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

os vultos que vi






vi vultos saindo de todos os lugares.

aprendi que nenhum lugar é aqui,

a menos que sua sombra não queira estar.

vi vultos vagando por aí

a procura do bem,

mas no asfalto vão dar

e se de mim saíam vultos

como vou me encontrar?

agora não sei se estou aqui,

ou se isso é um inferno,

ou não quero enxergar,

ou se os vultos a vagar

me permitirão passar .

começo a contar os dias... quero lembrar.

foto miguel lopes

a porta










a porta que vi fechada



vivia a me incomodar



queria a luz por trás dela



queria a luz a me iluminar







mas a porta vivia fechada



tirando a luz de mim



isso?



isso foi há muito tempo.....

foto josé manuel carvalho