imagem de hispanico

domingo, 31 de dezembro de 2006

o homem que contempla






longe...um pequeno ponto
avista-o ... é o horizonte
enorme é a extensão do mar...
contempla-o
...o modo de ver o mundo, tão seu.
olhar atento
solitária viagem
o fardo: o ir, o vir
a certeza do ir,
a incerteza do vir
sobrevive se vê, o homem que vai ao mar,
se enxergar com os olhos do espírito
- a inocência da alma -
homem do mar
vê, se vê contempla
medita enquanto percorre
o extenso vazio mar
solitário
e se perder as graças no mar?
está no mar o sustento
na solidão recorda os fragmentos
e lembra que vê
se vê contempla
atravessa a névoa
vence o vento
o homem do mar
nas trevas...
no sol...
na névoa.... quer voltar
experimenta toda a liberdade
de ver
de contemplar.

foto rumen koynov
para Santiago

quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

visibilidade


*
sempre temi a cegueira
e por isso
buscava entender o significado de ver
vi diversidade ora em trajes, ora em gestos
vi desigualdade em tons brancos, outras em negros
e por vezes tão distantes eram as imagens...
versões sem nitidez.
vi sim os discursos ocos,
narrados sem direção
traziam risos ou choros
teimavam em cegar-me.
mas, persegui a idéia de ver
mas o que tinha para enxergar?
a alma do mundo?
a alma dos que tantas máscaras vi cair
para um mundo que aos meus olhos
aparecia em tantos formatos,
a vida ali era tão próxima e latente...
...

e as mentes pareciam dormitar
pessoas secundárias
poucos protagonizavam
e meus sentidos me levavam longe
a esfera da razão ou da afetividade
me faltava talento para divinizar
aceitar sem entender, aceitar sem enxergar
me distanciei!
queria saber de onde provinham as imagens.
...

era a idéia de ver que eu perseguia
talvez imaginasse o fim do mundo
num mundo inexplicavelmente sem fim
que vivia
ao redor de mim.
foto luís pinto

segunda-feira, 25 de dezembro de 2006

o quintal...os lençóis...o labirinto


dias negros no fundo do quintal...
dias negros que engendra o verão vermelho
que a tudo queima
e seu poder derribando muitos
daqueles que insistiam vive-lo
...

corria eu pelo quintal naqueles dias negros
não conseguia inventar nem criar nada
corria pra sentir o suor escorrer.me
o peito acelerar....
fazia dos lençóis nos varais
um labirinto desafiador:
sair rápido de dentro deles.
...

eram tantos os lençóis
eram tantas as mortes
tantas as dores
que o tempo não apagou.
...
entardecia no fundo do quintal
era a hora da agonia e da espantosa solidão
eu...só... e o labirinto de lençóis
de onde, por vezes, não desejava sair.
*
foto jovino batista

sábado, 23 de dezembro de 2006

O relojoeiro




O tempo, esse inexorável tempo
precisava de um guardador
o homem pequeno e sereno
o contador
do tempo... esse inexorável tempo.
o homem pequeno
mede a vida
no passar das horas
O relojoeiro
o homem que guarda o tempo
tempo vivido de dor
tempo querido de amor
O relojoeiro
o homem pequeno
o falante homem do tempo
aquele que o vigia
homem das palavras contadas
protege os mistérios do tempo
segura-o nas mãos
esconde-o da vida
entrega-o na morte
O relojoeiro
homem pequeno e falante
zeloso do tempo
vive entre nós
dosando vivência
em pedaços de tempo
que não conhecemos
Mas o relojoeiro
ele sim conhece-o...
o tempo esse inexorável tempo
O relojoeiro
o pequeno homem falante
vigilante do tempo
vive entre nós
na missão de ser o
guardador do tempo.
foto Relógios. Dwight Yoakam

sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

vila operária


vi arder o sol
sobre a umidade das folhas
minha cidade desolada
perdia o verde
aglomerados de gente
barracos repletos de miseráveis operários
uma onda de fome...assolava.
via-os perder a ação
as lutas do dia a dia
a lama a cobrir-lhe os pés
os patrões a desnudá.los
crianças largadas nas calçadas descalças
eram calçadas sem fim...
via fracassar as ilusões,
andavam cabisbaixos na estação final
vi a sombra da miséria e da fome
arrastando...guiando
vidas se perdendo
a vila operária inundada do cheiro fétido
esgotos a céu aberto corriam pelo barro
que cobria o chão
quanta dor respirava.se naquele lugar.
vi o infortúnio dos homens,
a velhice precoce das mulheres,
a ausência de sonhos nas crianças,
e por desventura ...lá...
a vida era infinitamente ....longa.
foto ilha grande dos marinheiros web

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

Lais de Guia



se quero uma vida é preciso roubá-la

e assim viver

sem amarras

o plano será sempre arriscado

a chave...

saber que és a coisa mais terna

que encontrei

uma sanha de correntes...

um intervalo conexo

fiz raiz

atravessei fronteiras do desconhecido

e inundei-me de argumentos

para não me separar de ti

desfiz amarras

aquém, além de mim,

extremidades livres

fácéis de fazer

difíceis de esquecer

e fugi

ao destino

reservado

destruí o nó recorrente

real e maduro

fiz um nó...outro ...uma conexão,

e tornei.me barco a deriva

de um amor ...meu guia.

foto de antonio guerreiro

*lais de guia é um nó confiável, rápido e fácil de fazer.

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

passos...pensar...



um
conflito
fez
surgir...
***
a que lugar meu passos levaria.me?
por mais longa a passada
havia espaço no chão que pisava

avistava o mar
mas a orla tinha uma sombra enorme
eu não podia tocá.la

enquanto andava pensava
qual lugar terei um dia
onde minha mudez se transforme em palavras audíveis?

onde mágoa seja uma lembrança distante?
meu sono deixe de ser indefeso?
minha sombra uma companheira?

vi num papel esquecido num balcão
que homens de olhos puxados
arrastavam.se agachados numa mata
espantando homens de boinas verdes,de suas paisagens.

era o conflito dos homens
lugar onde eu não queria estar
não fui.
fiquei com minha árvore,
meu mar verde,
minha orla com sombra
tendo o céu a cobrir.me

nos sonhos de hoje ainda lembro o dia que indaguei.me:
- a que lugar meu passos levaria.me?
entendi sobre aquele conflito
um tempo mais a frente...
...mas carrego em mim
uma estranha saudade
a saudade do meu pensar
a beira da orla do meu lugar.


foto de luis pinto

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

terra ... passagem


ouvir

o

silêncio.

ouvi

o

silêncio

das folhas...




.....

de um pedaço de terra

fiz passagem

destino selado mais a golpes

do que gestos em lume...que aliviassem


declarei guerra a intolerância.tinha medo

naquela época, do esquecimento ou de jamais poder deslembrar


tive medo...

enquanto caminhava pelas veredas,

pelos bosques.


não me sabia pertencer a qual espaço

me sentia de tantos lugares

me sentia preso a tantos destinos...

mas desejava-me dissidente...

assim e tão somente

buscava momentos de solidão

onde os meus sonhos, moldados, livres

sem ninguém a percebe-los.


usava a bruma das noites frescas do inverno

para arrefecer.me o medo

conhecer.me alma e corpo

natureza e pensar...


sabia.me transgressor

das realidades diante e ao redor de mim...


elas eram parte viva e latente

poderosamente latente

de minha vida

cabia.me aprender a usá-las.reconhece.las.

saber ve.las até mesmo sem olhar.

foto de alexandre costa

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

o pescador
























era um pescador
o homem que me ensinou a amar o mar
o via de cócoras na porta do seu casebre
remendando a grande rede

um negro alto
de mãos grandes
de olhos profundos
cheirava a mar

com a rede as costas
caminhava a passos lentos
em direção à prainha

descalço, sempre.

na ponte de madeira
eu me deitava para pegar siris
tinha minha redinha
era sempre no fim da tarde
na grande ponte de madeira
ao lado da prainha...

ali ouvia o sino dobrar as seis horas
via o entardecer
ouvia as suas histórias
as ondas do mar bater levemente

ele cozinhava pra nós alguns siris
e assistíamos o sol deixar o céu.


meu amigo pescador me dizia:

- agora é hora dele ir ...
clarear outras bandas
outras terras ...
outras gentes...

foto carlos matos

domingo, 3 de dezembro de 2006

do lugar que parti



ser alma sossegada

desejar a chuva na seca cíclica

silêncio de mata

cores da mata dentro de mim

sem tempo demarcado

minha humanidade pus a prova

em meio a um caos vivido

lívido e presente

meus momentos tão diferentes de outros

estranho me sentia porque sabia

enxerguei luz onde não havia

imaginária ou real

a quem importava?

meus símbolos , meus signos, meu inconsciente

condenou-me

tinha eu de saber

metade dos céus dentro de mim

metade do inferno vivendo aqui

fiz da solidão, da seca, do caos

ritual de vontades.

livre, quando me senti

fui embora e não olhei

para o que restava de mim naquele lugar.

não encontrei o autor da foto

sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

esconderijo



olha comigo do meu esconderijo....














houve uma vez um local.
encontrei-o abandonado,
no meio do nada.
não pertencia a ninguém.



desenhava minha realidade,
buscava entender o vazio.
do que se ocupava o vazio
dentro de mim?



precisei do silêncio

tempo demais...

enquanto isso,
debruçava.me nas páginas
de palavras de outros.

esforço para saber:
amei muitas coisas
que as não há no mundo.

o que teria em comum eu e aquele lugar?

aquela luz?

ali?

por muitas vezes, ali,

alinhei minha linguagem

no papel

e foi a vida,

coisas de que são feitas coisas,

que discorri

solto,

na luz tênue

daquele lugar

o tomei pra mim.


foto josé lopes